terça-feira, 8 de abril de 2008

Folha de Londrina..06 de abril de 2008

Todas as cores da música em língua portuguesa
O brasileiro Elias Madeira chegou à Europa para tocar em um cassino. Hoje, além de um trabalho solo, ele integra o projeto ‘‘Sons da Fala’’, que reúne músicos de países de língua portuguesa

Celso Pacheco

Em Portugal, Elias Madeira caiu nas graças de Ivan Lins e passou a integrar o projeto ‘‘Sons da Fala’’, que o levou até o Timor-Leste

O samba do Brasil tem tudo do semba angolano e porque não dizer que, hoje, o semba tem tudo do samba. É nessas andanças pelo mundo que só a música é capaz de fazer, carregando sempre embaixo do braço a sua mais bela roupa: a universalidade, que músicos como o brasileiro Elias Madeira tomam emprestada, essa vestimenta para desfilar numa passarela que une a musicalidade dos países de língua portuguesa.

Numa curta temporada de visitas à família e amigos em Jataizinho, Madeira - que mora entre Portugal e a África - passou despercebido pela região, mas promete voltar e, quem sabe, realizar um show.

Músico brasileiro que dispensa perguntar com que roupa vai pro samba, pro semba angolano, pra morna cabo-verdiana ou qualquer outro ritmo com as cores da lusofonia, Madeira é daqueles que vestem de tudo. Entenda-se o que cai bem à alfaiataria de um artista multifacetado, ornamentada pela cultura de países com tantas diferenças.

''As pessoas só morrem quando eu morrer'', afirma Madeira. lembrando de suas próprias andanças pela MPB, ainda no Brasil, ao tocar com grandes nomes, como Gonzaguinha, Luiz Gonzaga e Jessé, que sempre são rememorados em suas apresentações.

Porém, o brasileiro se tornou reconhecido nos países de língua portuguesa, com participações em programas de TV, além dos shows, através do projeto ''Sons da Fala'' , que resultou no CD homônimo, lançado em 2007 pela Som Livre, que esteve durante dois meses entre os mais vendidos na Europa.

Paralelo ao projeto, Madeira costura a carreira solo, com o lançamento dos dois CDs, ''Madeira Eclético'', volumes I e II, lançados, respectivamente, em 1997 e 2000. Com exceção do Brasil, os discos chegaram a todos os outros países de língua portuguesa.

Um pouco de reggae, samba, dance music e bossa nova, os dois CDs têm de tudo dessa andança de Madeira pela música, que começou carreira internacional com uma canja num show de Tito Paris, considerado a personificação da alma cabo-verdiana.

''O Paris me convidou para visitar o restaurante dele, em Portugal, e acabei subindo ao palco. O Ivan Lins estava deixando o 'Sons da Fala'. Lins gostou da minha apresentação e fez o convite para substituí-lo no projeto. No 'Sons da Fala', a mistura de culturas é muito grande. Consegui, com a minha participação, colocar músicos portugueses cantando samba e eu fado'', comenta Madeira que, em 1999, se apresentou em Salvador (BA), dando uma volta ao mundo português com os shows.

Antes disso, o músico brasileiro já tinha desembarcado em Portugual para tocar no Cassino de Estoril, mas sabe que, a formação como maestro pela Universidade Livre de Música, em São Paulo, não lhe garantiria o sucesso na carreira internacional se não fosse dar as mãos aos músicos africanos.

Ao chegar em Portugal, Madeira seria apenas mais um músico a desembarcar no país, que teria que disputar espaço com nomes consagrados, no Brasil, e de apelo mais popular também na Europa.

Essa viagem musical levou o brasileiro a Timor-Leste, um dos mais jovens países do mundo, onde se apresentou no ''Sons da Fala'', integrado por músicos como o angolano Felipe Mukenga; o poeta, compositor e intérprete de músicas portuguesas, Sérgio Godinho, e Janita Salomé, que para muitos é a melhor voz masculina portuguesa, que mistura o jeito de cantar alentejano com as melodias e ritmos vocais do Norte da África.

''Cheguei em Timor na época de independência do país. É um lugar diferente de tudo. Eles não conhecem nada da cultura brasileira. Quando um timorense vê um cara com um violão nas costas imagina logo que é indonésio, menos um brasileiro. Na cidade em que nos apresentamos, o hotel não tinha uma janela inteira. O rapaz que nos recebeu avisou que aquela era a nossa suíte. No show, eles não entendiam nada do que estávamos cantando, mas adoraram'', lembra Madeira, falando sobre a apresentação na ex-colônia portuguesa, acupada militarmente pela Indonésia, que promoveu o genocídio de um terço dos 600 mil habitantes do país até a independência.

Entre as vozes mais poderosas da língua portuguesa, o músico brasileiro revela que se sentiu uma criança.

''Quando cheguei em Portugal, achei que sabia tudo. Vi que não é bem assim e hoje procuro extrair o máximo desse contato. O que nos une é a lusofonia. A musicalidade é totalmente diferente'', acrescenta o músico.

Madeira também produz outros artistas, como o grupo de dançarinos ''Moz Dance'', de Moçambique, que agora está se lançando na carreira musical. A música é o pandza, um ritmo mais dançante.

Em Madeira, o samba, o semba e a morna, uma música que se parece com o chorinho paulistano, ou a canção popular portuguesa, são como o próprio Atlântico - o ''Mar de Atlas'', um oceano na forma de ''S'', a letra de todos os ''Sons da Fala''. Uma linguagem que não só os povos de língua portuguese entendem, mas é universal: a melhor roupa da música.


Francismar Lemes
Reportagem Local